Tuesday, June 08, 2004

Azul Mar

As gotas de água escorriam, serenas, pelos vidros da janela. João Lingualeve pensava em Geraldina e pensava nos seus olhos azuis de mar. Lembrou-se de subir à Torre e de lá ver esse mar que ficava tão longe, tão longe, que seria certamente impossível ver dali.
Os olhos de Geraldina traziam com eles a maresia e o cheiro de sal, traziam o canto doce das ondas e neles sentia a espuma que morria na areia. João Lingualeve sentia-se morrer naqueles olhos e não conhecia prazer maior.
Não sabia há quanto tempo olhava as gotas de chuva a escorrerem naquela janela. Também não sabia há quanto tempo se tinha afogado nos olhos de Geraldina. Talvez quando fosse moço e o seu corpo não estivesse ainda gasto e alquebrado.
Durante todos esses anos desde então conversara com o Tempo e o Tempo contara-lhe muitas histórias, tantas histórias, mas nunca lhe falara daqueles olhos azuis. Um dia perguntara-lhe ele sobre eles e o Tempo respondeu com a história de Samit, um homem que passara toda a sua vida a tentar impedir que o Deserto conquistasse o Oásis. Na hora de morrer, o Velho Samit sabia que o Deserto conquistaria o seu Oásis e chorou por não ter bebido da água cristalina das suas fontes.
As gotas de água escorriam, serenas, nos vidros da janela. A chuva continuava a caír e João perguntou-se se alguma vez teria a coragem de beber da água pura daquele Oásis ou se continuaria a transportar a areia do Deserto.
AR