As Comadres
MF, dos Net Pulhas, escreveu um post belíssimo (e ácido) intitulado "As Comadres". Como tantas outras vezes, voltei a Coimbra, à minha infância.
Na estreita azinhaga onde morava, a minha avó sentava-se muitas vezes à porta, no final dos quentes dias de verão, quando o ar morno convidava a saír de casa e o dia ía desaparecendo aos poucos, em tons entre o amarelo e o laranja. O ritual era sempre o mesmo: espreitadela para fora, regar a terra do caminho, para refrescar e não deixar levantar a poeira, e um banco de madeira, feito pelo meu avô, amarelo com o assento debruado a vermelho (ainda se podem encontrar, esses mesmos bancos, na casa dos meus pais). Poucos minutos depois, vinham as vizinhas. A Srª Aurora, com quem a minha avó estava zangada quase em permanência mas que, por obra de qualquer força misteriosa, sempre se juntava ao grupo. Era a mais velha e ligeiramente marreca, muito magra, fazendo-me lembrar, vá-se lá saber porquê, a Madre Teresa. Passava o dia em permanente arrelia com os netos: a Guidinha, que sofria de atraso mental mas que participava sempre nas nossas brincadeiras de gaiatos, e o Carlitos, fã de ciclismo e que fazia corridas no chão da sala com umas miniaturas de plástico daqueles atletas. A D. Bela também vinha. Ficava na janela de uma porta (isso mesmo) lateral que dava para a azinhaga. Trabalhava no Hospital e por isso, sendo Coimbra, era a mais considerada do grupo. Era a avó do Tó Mané, o meu melhor amigo da infância que não vejo desde os 17 anos (creio que casou, entretanto) e a Ana, que fazia 'parelha' com o meu irmão e perdia sempre nos jogos de cartas e de monopólio. E a D. Florinda, mãe do João, que era da idade do meu irmão e é ainda hoje um dos seus melhores amigos, continua a viver em Coimbra e se formou em Contabilidade.
Tirando a D. Florinda, que era de longe a mais nova e anda agora pelos sessenta e picos, as Comadres morreram todas. A primeira foi a Srª Aurora, à data com cerca de noventa anos, depois a D. Bela, com setenta e qualquer coisa, e finalmente a minha avó, com oitenta e seis.
A azinhaga está hoje abandonada, as casas pouco mais têm que as paredes e a erva cresce, viçosa, no caminho de terra. Mas parece-me às vezes que, ao longe, de quando em quando, ainda ouço as Comadres a tagarelar entre si nos fins dos dias dos verões do meu contentamento.
AR
<< Home