Cada um vai para onde quer
As coisas eram mais ou menos assim.
Os partidos maiores convocavam comícios nos espaços maiores: Alameda, Av. da Liberdade, Rossio ou outro espaço semelhante. Até podiam não os encher (convenhamos que é difícil encher a Alameda, embora eu a tenho visto duas vezes praticamente cheia: 1975 e 1985) mas pelo menos tentavam.
Os oradores subiam ao palanque e falavam do socialismo, ou da democracia e da liberdade, ou de uma sociedade melhor e propunham qualquer coisa. Podiam ser (e normalmente eram) propostas discutíveis, mas propunham coisas concretas: muitas não saíram do papel, outras foram feitas e não deviam, outras foram mal feitas e algumas foram bem feitas, mas para aqui o que importa é que sabíamos o que cada um propunha e o que cada um queria.
Quem se lembra desse período lembrar-se-á que o PCP (que na altura se apresentava às eleições a descoberto) propunha uma sociedade socialista com a inevitável ditadura do proletariado. O PS era marxista (disse-o Mário Soares) e preconizava o caminho para uma sociedade socialista mas sem passar pela ditadura do proletariado. O PPD ía buscar as suas influências às sociais democracias do norte da Europa (Escandinávia e Alemanha). O CDS era democrata cristão e bebia das democracias cristãs italiana e alemã.
Não me lembro nunca de Mário Soares acusar Cunhal de ter as sobrancelhas pretas e o cabelo branco ou de este tentar ridicularizar Sá Carneiro por ser baixo e ter um nariz enorme. Ou de Freitas ser acusado pelos outros de ser gordo, ou de Soares ter grandes bochechas. Nesse tempo, se alguém se lembra, a política tinha dignidade (mesmo no MRPP, que o diga Durão Barroso, que teve que devolver os sofás da Reitoria da Universidade de Lisboa), embora fosse combativa (muito) e marcada por (profundas) clivagens ideológicas.
Hoje, volvidos trinta anos, a batalha política é bastante diferente. As listas partidárias são compostas por um infindável número de barrascos e reduzidos mentais e o debate anda à volta da falta da orelha de um dos candidatos e da eventual concessão de uma tolerância de ponto.
A política não é mais do que um lodaçal onde se debate uma miríade de anões intelectuais que, falhos de ideias e propostas, não encontram nada melhor para fazer do que recorrer ao insulto e à demagogia fácil.
Eu acho que eles acham que nós somos estúpidos.
Eu acho que eles acham que nós não vamos votar porque vamos para a praia.
Eu acho que eles não sabem que estão enganados.
Se não formos votar não é porque vamos para a praia: é porque queremos que eles vão, todos, à merda. Que parece ser o único sítio onde se sentem bem.
AR
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