Monday, May 24, 2004

Para dizer isto ...

João César das Neves, na sua crónica de hoje no DN, defende acérrimamente a família como instituição basilar da nossa sociedade. Em termos gerais concordo com ele quando diz que "... a família é a forma natural e eficaz de promover a educação, saúde, felicidade e combater o crime, injustiça e violência".
Mas na linha de outras afirmações, JCN diz coisas verdadeiramente notáveis, como esta: "A família, (...), foi contestada como opressiva, preferindo-se a liberdade de costumes, promovendo-se promiscuidade, adultério, luxúria." Daqui entendo que ele entende que liberdade de costumes resulta em promiscuidade e adultério e luxúria. E a seguir diz mais isto: "Hoje a legislação gira em volta destes temas, do divórcio ao aborto e eutanásia, da promoção da contrecepção à clonagem e educação sexual laxista, da exaltação da união de facto e desvio sexual".
Vamos por partes.
JCN não sabe, aparentemente, que a liberdade de costumes não é adultério, promiscuidade nem luxúria. Para começar, porque o adultério pressupõe casamento ou relação afim. Caso contrário não existe. E promiscuidade e luxúria parecem-me mais razoáveis no contexto dum debate sobre religião do que num debate sobre sociedade. É claro que pode ter a ideia de que o sexo que não tenha como objectivo a reprodução seja uma coisa má. Mas se assim for então estamos conversados.
Mas para além disto, JCN enumera uma espécie de lista negra na qual inclui o divórcio, o aborto, a eutanásia, a contracepção, a clonagem, a educação sexual (laxista), a união de facto e o desvio sexual.
Eu sou divorciado. Dou-me muito bem com a minha ex-mulher e estou muito tempo com a minha filha (aliás, normalmente estou com ela todos os dias). Se não me tivesse divorciado viveriamos os três, seguramente, muito pior. Acho que não preciso de dizer mais nada. Quanto ao aborto, o mito da vida e do ser humano continua a dar cartas. Eu não sei se JCN sabe, mas se estivermos sempre a separar as células primeiras em novos grupos. elas continuam-se a reproduzir nos mesmo tipos e não evoluem para outros tipos de células. Vida humana?! E qual é melhor? Os métodos contraceptivos ou a miséria das famílias muito numerosas? Quanto à eutanásia, parecerá melhor a JCN que alguém que sofre de uma doença qualquer em estado terminal, com sofrimento que normalmente analgésicos não conseguem eliminar,não deve poder decidir se quer morrer? A troco de quê esse sofrimento gratuito? A clonagem (pelos vistos nem com objectivos médicos) parece que também não. A educação sexual não pode ser laxista (ainda bem, mas a outra, a que não é laxista e foi prometida por aqueles que partilham as ideias de JCN, onde está?), a união de facto é um ataque à família (mesmo considerando a quantidade de famílias que vivem em união de facto e são perfeitamente felizes e equilibradas) e termina tudo com a cereja, que é o desvio sexual.
Eu não sei que propostas tem JCN, porque ele não as aponta, mas sei que há alturas em que o silêncio é de ouro. E João César das Neves perdeu uma óptima oportunidade para estar calado.
AR