Convicções
Não tendo simpatias de maior pelo ideário de esquerda (pelo menos com uma parte significativa dele) tenho-as por algumas pessoas que militam naquela área política. Aliás, por regra, tenho simpatia por quem tem convicções quando estas não ofendem os princípios, que tenho por elementares, de Cidadania, Democracia e Liberdade. Vem isto a propósito de Manuel Alegre e da sua candidatura à liderança do PS.
Ao contrário de muita gente da minha área política não sou apologistas do “quanto pior, melhor”. José Sócrates está ao nível, grosso modo, de Pedro Santana Lopes. Não falará dos Violinos mas não consegue dizer mais do que o conjunto de banalidades costumeiras. É o pior.
Manuel Alegre é um homem de convicções. É certo que não as partilho, mas integram-se no tal quadro de Cidadania, Democracia e Liberdade. Muitos dirão que apenas tem passado. Eu direi que os homens de convicções, como ele, têm sempre futuro. Porque as convicções e os ideais, contrariamente ao que as luminárias de serviço querem fazer crer, não são passado nem estão fora de moda.
Ainda que outro resultado não tivesse, a candidatura de Manuel Alegre tem tido a qualidade de dizer que a Política não precisa de ser a barrasquice trauliteira em que se caiu nos últimos anos, mas pode (e deve, digo eu) ser um espaço de debate de ideias e de propostas.
E nunca terá vindo mais a propósito o poema escrito pelo próprio Manuel Alegre e que abriu o seu primeiro livro de poesia, Praça da Canção, publicado em 1965:
Apresentação
Cantar não é talvez suficiente.
Não porque não acendam de repente as noites
tuas palavras irmãs do fogo
mas só porque as palavras são
apenas chama e vento.
Eu venho incomodar.
Trago palavras como bofetadas
e é inútil mandarem-me calar
porque a minha canção não fica no papel.
Eu venho tocar os sinos.
Planto espadas
e transformo destinos.
Os homens ouvem-me cantar
e a pele
dos homens fica arrepiada.
E depois é madrugada
dentro dos homens onde ponho
uma espingarda e um sonho.
E é inútil mandarem-me calar.
De certo modo sou um guerrilheiro
que traz a tiracolo
uma espingarda carregada de poemas
ou se preferem sou um marinheiro
que traz o mar ao colo
e meteu um navio pela terra dentro
e pendurou depois no vento
uma canção.
Já disse: planto espadas
e transformo destinos.
E para isso basta-me tocar os sinos
que cada homem tem no coração.
in Manuel Alegre - Obra Poética, Publicações D. Quixote, Lisboa, 1999.
AR
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